“Ah, se soubesse onde o poderia achar! (a Deus) Então, me chegaria ao Seu Tribunal.” Jó 23;3 “... Ouvi a tua voz soar no jardim; temi porque estava nu e escondi-me.” Gên 3;10
Dois homens, Jó e Adão; um querendo encontrar Deus, outro, esconder-se Dele; um, inocente, outro, culpado.
Desde sempre tem sido assim; a inocência caminha ao encontro da justiça, enquanto, a culpa procura manter distância.
Uma coisa que sempre me incomodou é o tal direito de ficar calado. Se, alguém é inocente pretende se defender em vista disso, não, ficar calado; porém, se, culpado, o Estado interessado na justiça deveria proteger o direito dos cidadãos, antes, que o de eventual malfeitor. Assim, ao privilegiar esse, furta aqueles que são maioria e nada pesa contra eles.
Caso, eventual acusado recusasse falar, como o Estado agiria? Usaria tortura? Não. Diria mais ou menos o seguinte: Pesam contra você as acusações tais; tens amplo direito de te defenderes. Porém, caso recuse a fazê-lo, o Estado fará uso da presunção de culpa e aplicará a devida penalidade. Com uma “primavera” assim, todos os pássaros cantariam. A justiça humana trabalha com verossimilhanças apenas, a despeito de ser injusta na maioria das vezes.
Mas, voltando ao começo, no prisma espiritual, nenhum de nós é como Jó; inocente que deseja estar em juízo diante de Deus. Na verdade somos como Adão; cientes dessa nudez tendemos a buscar esconderijo.
Só que, diferente daquele caso, em que O Criador chamou ao homem para que desse conta da mordomia que recebera; governar o planeta em Submissão ao Senhor do Universo, busca-nos em amor; não, pra que respondamos por nossos pecados, mas, para que correspondamos ao Seu Amor manifesto em Cristo.
Notemos que, o apelo do Salvador não é para trazer juízo, antes, dar descanso; “Vinde a mim, todos que estais cansados e oprimidos; Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; encontrareis descanso para vossas almas. Porque meu jugo é suave e meu fardo, leve.” Mat 11;28 a 30
Ao tolher a vida espiritual, o pecado, além do banimento do Paraíso maculou ao homem com uma série de efeitos colaterais; um dos mais danosos é a cegueira naquela dimensão. Assim, mesmo sendo impossível se esconder de um Ser Onisciente e Onipresente, os pecadores tendem a passar suas vidas nessa tentativa inglória.
Davi colocou o dedo na ferida: “Tal ciência é para mim maravilhosíssima; tão alta que não posso atingir. Para onde me irei do Teu Espírito, ou, para onde fugirei da Tua Face? Se, subir ao céu, lá Tu estás; se, fizer no inferno minha cama, eis que Tu ali estás também. Se, tomar as asas da alva, habitar nas extremidades do mar, até ali a Tua Mão me guiará e Tua Destra me susterá. Se, disser: Decerto que as trevas me encobrirão; então, a noite será luz à roda de mim. Nem ainda as trevas me encobrem de Ti; mas, a noite resplandece como o dia; trevas e luz são para Ti a mesma coisa;” Sal 139;6 a 12
Quando o salmista diz que, para Deus, trevas e luz são a mesma coisa, refere-se apenas à impossibilidade de nos escondermos Dele, não, que, para Si, ambas sejam coisas iguais. Somos desafiados a andar na luz, a Doutrina de Cristo, em oposição aos valores mundanos que são das trevas. “Esta é a mensagem que dele ouvimos, e vos anunciamos: que Deus é luz; não há Nele trevas nenhumas. Se, dissermos que temos comunhão com Ele, e andarmos em trevas, mentimos, não praticamos a verdade.” I Jo 1;5 e 6
Quando o homem tenta se esconder do Santo, não está buscando uma coisa lógica, possível; antes, patenteando sua escolha, malgrado, redunde em condenação; “E a condenação é esta: Que a luz veio ao mundo, os homens amaram mais as trevas que a luz, porque suas obras eram más. Porque todo aquele que faz o mal odeia a luz; não vem para a luz, para que suas obras não sejam reprovadas.” Jo 3;19 e 20
Essa reprovação tão temida não é de Deus, mas, de outros homens. Por isso lhes basta um verniz de justiça, máscara para encenar entre iguais; mesmo estando nus diante do Eterno. Cristo dá medo, pois, mediante Ele, as coisas aparecem como são.
O estúpido visa se esconder, mesmo sendo impossível; o sábio vai a Cristo mesmo nu; admite suas culpas, confessa-as; perdoado é revestido de Cristo.
Você tem direito a rejeitar, ignorar, ficar alheio; mas, tudo o que Cristo disse será usado contra você no tribunal. “... a palavra que tenho pregado o há de julgar no último dia.” Jo 12;48
“A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira.” Prov 15; 1
Parece
que o jeito de falar tem a possibilidade tanto de desviar, quanto,
atrair o furor. Embora, normalmente o conteúdo se associe à forma, digo,
palavras conciliadoras são proferidas com jeito manso, educado, e
agressivas com voz forte, isso não é regra.
Conheci
um sujeito que se dizia pastor, sem nenhum caráter; quando contestado
em suas falcatruas conseguia proferir as maiores ofensas sem alterar o
tom da voz, o que irrita ainda mais, não bastasse o teor sórdido.
A
meu ver, o contraste supra da palavra branda com a dura sugere
conteúdo e forma. Assim, nada valeria falar como um padre no
confessionário, sussurrando, se as palavras proferidas cortarem como
facas; posto que mascaradas de brandas, seriam duras.
“Porventura o ouvido não provará as palavras como o paladar prova as comidas?” Jó 12; 11
Basta ler o contexto da assertiva pra ver que não se refere ao tom,
mas, ao que estava sendo dito. Os amigos de Jó exortavam-no ao
arrependimento; a acusação sem provas era que seu sofrimento deveria
advir de alguma culpa. O infeliz suspirou: “Vós, porém, sois
inventores de mentiras, todos, médicos que não valem nada. Quem dera vos
calásseis de todo, pois isso seria a vossa sabedoria.” Cap 13; 4 e 5
A frase evocou-me um proverbio indiano: “Quando falares, cuida para que tuas palavras sejam melhores que teu silêncio.” Aqueles, não tiveram esse cuidado.
Claro
que, numa eventual contenda com exasperação mútua, um sábio interviria
com palavras brandas tentando levar as partes a se desarmarem, para
buscar conciliação; diverso do tolo; “Os lábios do tolo entram na contenda, e a sua boca brada por açoites.” Prov 18; 6
Sempre
que consideramos o poder da palavra imediatamente pensamos na de Deus.
Certo, nada há igual. Contudo, mesmo a humana tem lá sua força. É capaz
de grandes coisas, tanto para bem, quanto, mal. “A morte e a vida estão no poder da língua; e aquele que a ama comerá do seu fruto.” Prov 18; 21
Isso
não nos autoriza a sair decretando, ordenando coisas, para que
aconteçam como ensinam alguns pavões abobados. Antes, adverte que
sejamos prudentes ao falar, pois, um falso testemunho, por exemplo, pode
condenar à morte um inocente; como, o oposto, livrá-lo. “Há
alguns que falam como sendo uma espada penetrante, mas a língua dos
sábios é saúde. O lábio da verdade permanece para sempre, mas a língua
da falsidade, dura só um momento.” Prov 12; 18 e 19
O mesmo texto interpreta que o fio dessa “espada” mortal é a falsidade.
Acontece que, as coisas que cobramos de terceiros acabam sendo leis pra nós; como esperar de outrem o que não oferecemos? “Mas
eu vos digo que de toda a palavra ociosa que os homens disserem hão de
dar conta no dia do juízo. Porque por tuas palavras serás justificado, e
por tuas palavras serás condenado.” Mat 12; 36 e 37
Afinal, o poder espiritual “trabalha” sobre nossas palavras à exata proporção que se alinham à do Senhor; Paulo Ensina: “Retendo
firme a fiel palavra, que é conforme a doutrina, para que seja
poderoso, tanto para admoestar com a sã doutrina, quanto para convencer
os contradizentes.” Tt 1; 9
Assim, o poder da Palavra em âmbito espiritual é de Deus, não nosso; a nossa pode lograr outros feitos, como vimos.
Nem tudo, porém, pode ser dito de forma branda; cada espada tem sua própria bainha. Ouçamos o Mestre: “Ai
de vós, escribas e fariseus, hipócritas! que devorais as casas das
viúvas, sob pretexto de prolongadas orações; por isso sofrereis mais
rigoroso juízo.” Mat 23; 14 ou, João Batista; “…Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira futura? Produzi frutos dignos de arrependimento;” Mat 3; 7 e 8 Coisas assim não podem ser ditas à meia voz.
Entretanto, quando da farsa do Julgamento do Salvador, ele foi agredido
por um serviçal do Sumo sacerdote, e redarguiu com uma pergunta
branda: “…Se falei mal, dá testemunho do mal; se bem, por que me feres?” Jo 18; 23
Se tivesse dito; canalha! Seria ferido mais; mas, ao requerer motivos
para a violência num gládio de palavras desarmou o valentão.
Palavras,
esses veículos possíveis à razão, que nos faria superiores aos animais,
depois da queda nos têm inferiorizado. Os instintivos são fiéis aos
instintos; a maioria das falas humanas são laços.
Às
vezes a brandura da forma disfarça o veneno do teor; outras, a ênfase
acentuada na mentira reveste-a de verossimilhança. Felizes os que têm
paladar apurado! “O simples dá crédito a cada palavra, mas o prudente atenta para os passos.” Prov 14 ; 15