“Foi, falou com os principais dos sacerdotes, e com os capitães,
de como O entregaria; os quais se alegraram, convieram em lhe dar dinheiro. Ele
concordou; buscava oportunidade para O entregar sem alvoroço.” Luc 22;4 a 6
Me intrigava, assim que dei os primeiros passos em Cristo,
por que, sendo Ele uma figura pública, facilmente encontrável, precisava ser
entregue por um traidor? Contudo, era justamente sua publicidade que O “escudava”,
só um dos Seus poderia entregá-lo num momento de privacidade, sem concurso da
multidão que tumultuaria. Esse foi o papel de Judas.
Invés de usarem à multidão para escudar alvos, estilo
nosso “Não vai ter golpe”, buscaram apenas seu objetivo, posto que, inocente,
evitando, inicialmente, o concurso da multidão.
Os gregos não tinham um conceito elevado das multidões,
antes, o oposto disso. Lembro uma cena do “Banquete” onde uns oito pensadores
deveriam fazer cada qual, por sua vez, um discurso de elogio ao amor. Quando
chegou a vez de Agatão, o dramaturgo, ele disse estar tímido ante à tarefa. Alguém
lembrou-o que no teatro acabara de levar a multidão ao delírio com sua atuação,
era “craque”. Mas, disse, bem sabeis que a multidão é ignorante. Um homem
prudente teme muito mais o juízo de meia dúzia de sábios, que se expor ante uma
plateia de tolos.
Não sei se concordo ou discordo dessa análise, embora, “lato
sensu” a coisa é mesmo assim. Afinal, a mesma multidão que seria um óbice à
prisão de Cristo, devidamente manipulada, estava, depois, ante o Tribunal de
Pilatos berrando pela soltura de Barrabás, e, crucificação do Salvador.
Ainda não convencido da “Terra arrasada” dos gregos, suspeito
que a qualidade da multidão depende do motivo que a aglomera. E, que há uma
diferença diametral, de quando meu motivo é a afirmação de valores, minha
consciência, para quando, minha adesão se dá movida pelo som de um berrante ao
qual me acostumei; som esse, que por me ser tão agradável dispensa-me de pensar
valores, raciocínio lógico, minha adesão à massa é a diluição do meu “Eu”,
invés da sua afirmação.
Amanhã teremos, em função do processo de Impeachment, duas
multidões antagônicas nas ruas; embora a verde amarelo, será, seguramente, muito
maior, como tem sido invariavelmente. Se adotarmos o conceito grego, serão
ambos os lados, imbecis, ignorantes. Algum lado deve ter razão, o que o indisporia
com os adjetivos aqueles.
Quando é a paixão o elo de uma multidão, esse basta para
abstração de todos os demais valores. Tomemos como exemplo a paixão pelo
futebol. De um lado os gremistas, de outro, os colorados. Um time qualquer faz
um gol, todos os de paixão comum se abraçam, mesmo que, entre eles haja
advogados, professores, traficantes, assassinos, policiais, etc. naquela hora
mágica não há distinção; estão todos felizes, são “iguais”.
Porém, quando os mesmos atores saem do “Coliseu” para o
teatro comum das relações sociais, sua “igualdade” se desfaz, e em muitos casos
os coloca em situação de inimizade, conflito. Esse tipo de multidão, pois, que
anula indivíduos e valores na massa amorfa, acéfala e apaixonada, não dá para
discordar que seja ignorante, pois, aglomera-se em torno de uma bandeira a
despeito de outros valores.
Todavia, quando nossas coisas do dia a dia, que são
derivadas das decisões políticas também são tratadas sob a bandeira das
paixões, essa é a mais perniciosa das paixões, pois, a defesa incondicional de
uma sigla a despeito de valores, nesse campo, é mais que contraproducente, é o
cidadão traindo a si mesmo.
Infelizmente, nossa política faz dos partidos e seus
anseios, Poder, o fim, invés do cidadão e seus legítimos pleitos. Assim,
qualquer proposição, de vier “deles” estará errada, a despeito de eventuais
méritos; se for “nossa” estará certa, malgrado o concurso de vícios.
Não nos comportamos como empregadores dos políticos que
somos, e fiscais de seu desempenho, que deveríamos ser; antes, os temos como nossos
“convocados pra seleção” e somos torcedores pelo seu sucesso. Se um dos “nossos”
é flagrado em atos de corrupção, não acreditamos como o corno apaixonado que se
volta contra quem o adverte da pérfida consorte.
Ora, o crescimento físico se dá imperceptível, ao concurso
do tempo, apenas; o espiritual, de um convertido, à proporção que se alimente
da Palavra de Deus, buscando entender e praticar à mesma; o crescimento psicológico
que forja nossa têmpera demanda decepções, desenganos, dores. O crescimento cívico
de um povo, o aprimoramento da consciência cidadã deriva de embates como o
atual, onde, à força de sofrer as consequências da incompetência e improbidade,
até os alienados são instados a tomarem posição. Afinal, não temos um partido a preservar;
temos direitos, deveres, e um país. Que triunfem a verdade e a justiça!