sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

O site de Deus



“Ele respondeu-lhes: Aquele que me curou, ele próprio disse: Toma o teu leito, e anda. Perguntaram-lhe, pois: Quem é o homem que te disse: Toma o teu leito, e anda?” Jo 5; 11 e 12 

Digamos que pairava certa ambiguidade naquele contexto; um milagre espetacular, a cura de um paralítico que sofria, havia 38 anos, e uma pequena “transgressão”, uma vez que tal milagre ocorrera num sábado. Por qual desses dois motivos estariam os inquiridores procurando  o autor? Estariam maravilhados ante a cura, quem sabe, com outro doente para apresentar? Infelizmente, não. O motivo era seu zelo doentio pela guarda do Sábado, como se, até fazer o bem, nele, fosse proibido. “E por esta causa os judeus perseguiram a Jesus, e procuravam matá-lo, porque fazia estas coisas no sábado.” V 16

Todos nós, em dado momento temos que lidar com “ambiguidades” assim. A ênfase, a escolha, testifica de nossos valores. Quando o zelo por uma inclinação pessoal, denominação, credo, bandeira, agremiação, etc. se torna mais importante que uma vida, por melhores que pareçam nossas razões, ainda estão calcadas no egoísmo, na indiferença. 

A mesma Lei, que os Fariseus pareciam tanto zelar, apregoava amar ao próximo como a si mesmo; desse modo, curar sua enfermidade, quem conseguisse, estaria dando vívida demonstração de amor. Tiago ensina: “Porque qualquer que guardar toda a lei, e tropeçar em um só ponto, tornou-se culpado de todos.” Tg 2; 10 Tratando-se de ágape, o amor cristão, não existe amor fora da Lei; antes,  sintetiza  a razão da Lei, como ensinou O Mestre: “E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.” Mat  22; 37 a 40

Entretanto, também aqui, há o risco de ambiguidades, deturpações, ênfase deslocada. Se, é pacífico que, amor é o cerne de tudo, não exclui os mandamentos, criando uma doutrina humanista, onde, quem fizer o bem ao seu próximo, independente dos laços espirituais, estará fazendo a coisa certa. Se, o texto ensina que a Lei depende do amor, não advoga que o amor, por si só, prescinde da Lei, antes, completam-se, como ensinou Paulo: “E ainda que tivesse o dom de profecia,  conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes,  não tivesse amor, nada seria. Ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres,  ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.” I Cor 13; 2 e 3 Assim, a Lei traça um caminho, o amor, provê motivo para caminhar. 

Não se entenda com isso, porém, que defendo o legalismo ultrapassado; antes, os mandamentos ensinados pelo Salvador. Ademais, se alguém presume que, amar ao semelhante, por si só, basta, a despeito das escolhas espirituais, convém lembrar que, antes de ensinar amar ao próximo, o texto ensina amar a Deus de todo coração, de toda alma. Minhas preferências, por hígidas que sejam, são minhas; o próximo, é dele; se, cuidar dos interesses dele antes dos meus, estarei dando uma demonstração madura de amor cristão. 

O Senhor ensinou isso com outras palavras: “Ide, porém, aprendei o que significa: Misericórdia quero, não sacrifício. Porque eu não vim a chamar os justos, mas os pecadores, ao arrependimento.” Mat 9; 13 No contexto, O Salvador saíra do convívio dos “santos” e assentara-se à mesa com os maus. 

Mas, desafiou a aprenderem o significado de uma antiga sentença: “Misericórdia quero, não sacrifício”. Que parte eles não tinham entendido? Em misericórdia me ocupo das carências alheias; sacrifício faço, pensando nas minhas. Aquela faceta, pois, atua altruista; essa, de modo egoísta. Parece nobre, santo, o que jejua; não que seja errado; mas, é engajado, ativo em amor o que compartilha. Não são coisas excludentes, também complementares,  disciplina do corpo e cuidado com as carências alheias. 

Aliás, lembrei da frase de um rabino que sintetiza maravilhosamente isso: “As necessidades materiais de teu próximo, - disse – são as tuas necessidades espirituais.”  ( Israel de Salant ) 

Sim, embora possamos, via oração, “acessar o site de Deus”, a senha para que sejamos aceitos depende de relações horizontais. João ensina: “Se alguém diz: Eu amo a Deus, e odeia a seu irmão é mentiroso. Pois quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar Deus, a quem não viu? E dele temos este mandamento: que quem ama a Deus, ame também a seu irmão.” Jo 4; 20 e 21

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